O que na verdade somos

terça-feira, 25 de agosto de 2009 | |

Um Poema...

O essencial é saber ver [...]

Mas isso [...]

Isso exige um estudo profundo, uma aprendizagem de desaprender [...]

Procuro despir-me do que aprendi,

Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,

e raspar a tinta com que pintaram os sentidos. - Alberto Caeiro

Um comentário...

Nós. Casas. Vão-nos pintando pela vida afora até que memória não mais existe do nosso corpo original. O rosto? Perdido. Máscara de palavras. Quem somos? Não sabemos. Para saber é preciso esquecer, desaprender. - Rubem Alves



Um pensamento...

Ninguém melhor nos engana do que nós mesmos. A justificativa para isso? Não nos conhecemos. E isso tem uma lógica interessante, onde geralmente as pessoas que nos enganam são as que acabamos de conhecer; ou seja, as pessoas que não conhecemos direito, ou, aquelas que conhecemos a muito tempo mas encontramos “uma vez na vida e outra vez na morte”.

Um silogismo: "somos tendenciosamente enganados por quem não conhecemos, e nós não nos conhecemos, logo, somos facilmente enganados por nós mesmos”. No poema, somos paredes de uma casa pintada. A cor original? Raspe, e muito, porque só quem é ajudante de pintor é quem sabe o quanto é chato, ruim, complicado, cansativo e perigoso para a saúde raspar a tinta das paredes de uma casa. Raspar tinta é desaprender, e isso é muito perigoso. Tirar máscaras é desaprender, e isso também é perigoso, pois o risco de cair e se afogar em um poço de ceticismo é bem considerável.

É fácil comparar e comprovar toda essa conversa na origem das coisas, para o nosso caso, na origem das palavras. A palavra persona vem do latim, quer dizer “máscara”, e é o que no mundo das artes cênicas chamam de personagem. Personagens estão por toda parte, nas novelas, seriados, quadrinhos, livros... dentro de nós. Até por que, do latim, a palavra persona, derivou o que chamamos de personalidade, ou seja, o que nós possuímos, cada um individualmente, sendo a causa que “supostamente” define a pessoa que somos. O mais cômico é que, exaltados e vaidosos dizemos, “eu tenho personalidade... tá? ou então elogiamos, “meu amigo é um cara de personalidade”.

A realidade é que, aquilo que nós tão altivamente nos orgulhamos como sendo nossa personalidade, nada mais é do que uma máscara, uma pintura que ao longo dos anos em nossa existência foi sendo desenhada aleatoriamente sem controle; e de forma inconsciente foi moldada ao que somos nesse exato momento. O produto que somos, é o multifacetado efeito dos eventos ocorridos em nossas vidas, dos livros que lemos, das pessoas que conhecemos, das vitórias, das derrotas, dos perigos, das tristezas, dos amores, da bonança, da falta, do lugar que vivemos e dos lugares que passamos, e o pior, das nossas escolhas.

Escolhas... será que elas são reflexos daquilo que somos ou é justamente a evidência do efeito como resultado daquilo que nos tornamos por termos nos esquecidos quem de fato éramos?

Para a primeira ou segunda hipótese, o Apóstolo Paulo diria a mesma coisa, “mas vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento, e que me prende debaixo da lei do pecado, que está nos meus membros”. Grande verdade, a lei do pecado é a lei da escolha, onde temos o entendimento (algumas vezes não temos) das coisas, que nem ao menos sabemos a o que tal entendimento está condicionado, ou foi condicionado. Más mesmo assim as escolhas são e serão os fenótipos dos personagens (personalidade) em nós contidos.

O diagnóstico para a personalidade, ou seja, a maneira de tirar as máscaras, lixar a tinta da parede e com isso ver o que realmente somos, e quem somos, é desaprender. Caeiro descobriu o que a muito tempo foi dito, e numerosas vezes repetido ao longo da história pelos mais sábios homens (não é a toa que Schopenhauer dizia: “os sábios sempre disseram as mesmas coisas”). A mesma coisa estava escrito no tempo de Apolo da antiga Grécia, “conhecer a ti mesmo”, e quando Sócrates foi consultar o oráculo do Delfos nesse templo, pôde ler tal escritura, então...tudo estava claro. A sacerdotisa Pítia perguntou: Sócrates, o que sabes tu? A resposta de Sócrates? Só sei que nada sei. O decreto? Sócrates, o mais sábio da Grécia. Segundo o relato de Platão, Sócrates, o divisor de águas da filosofia Grega, descobriu uma verdade eterna, que milênios depois em forma de poema, por Alberto Caeiro, se fez beleza para se “ver com os olhos”.

Desaprender... é mesmo uma verdade eterna?

É sim, e quem disse foi Jesus, que baixou um decreto, “deixai vir a mim as criancinhas, pois delas é o reino dos céus”. Ser criança é estar “desaprendido” das coisas, afinal de contas, as crianças aprendem, e a conseqüência é crescerem e serem acometidas da "adultice aguda”. O que Sócrates fez foi voltar a ser criança, desaprendendo, e assim, enxergou a si próprio, conheceu a si mesmo.


“Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande” - Adélia Prado

Mais uma que entendeu tudo certinho

Criança é alegria, é a expressão mais casta da vida, a fase da existência que o tempo não existe. Faça o teste, pergunte a uma criança: “o que é o tempo”? Ela provavelmente responderá inocentemente: “são os números do relógio dãaaaaa...” ou, “é o barulhinho dos ponteiros que fazem assim, tic, tac, tic, tac, tic, tac”.

O tempo existe para os adultos, os adultos o percebem quando tem consciência da sua estranha força que os arrasta da permanência, que promove o esvair da frágil existência que quer ficar, que quer permanecer, que não quer passar. Ele inevitavelmente engole as crianças para si quando apresenta e impõe a elas um universo cartesiano, dividido e apresentado na forma de conceitos, idéias e teorias. E aquele mundo mágico infantil, a terra do nunca, onde o tempo nunca passa e todos são eternamente crianças se transforma em uma mórbida terra mecanicista, regida por insípidas leis de causalidades macroscópicas e probabilidades quânticas, e que se esfacela em pequenos pacotes de energia que hora é onda, hora é partícula, simplesmente por que vive na indecisão de quanto ao que quer ser, justamente por não saber quem ela mesma é. Não sabe escolher como disse o Apóstolo.

Conhecer a si mesmo, é voltar a ser criança, e para voltar a ser criança é necessário desaprender tudo o que foi ensinado pelo mundo dos quanta, só assim se entra no reino de Deus. À medida que a persona vai sendo retirada, o “desaprendimento” vai confirmando a teologia cristã, e o que realmente somos vai ficando mais evidente, a criança vai renascendo, jeito que Jesus ensinou a Nicodemos, aí... é como cantar a canção, “quanto mais agente chega perto de Deus, agente se conhece mais”.

Tomara que a retórica da canção seja verdadeira

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