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sexta-feira, 30 de abril de 2010 | |

Existe um livro chamado “Conversas pra quem gosta de ensinar” de Rubem Alves; eu nunca li, mas por diversas vezes não resisti à tentação de comprar alguma obra de Rubem Alves durante visitas à livraria – costumo dizer que algumas de suas obras, quando lidas, fazem-nos sentir golpeados pelo vento das quatro da tarde em meio a altos eucaliptos, e ainda, é inevitável sentir aquele cheiro verde arrastado por esse vento, que parece ser carregado pelos raios de sol que passam entre os altos e pálidos troncos de eucalipto.

Se eu tivesse a oportunidade de conversar com Rubem Alves eu faria um pedido. Pedia que escrevesse um livro com a seguinte temática, “Aprender a conversar e aprendendo com conversas”. Isso por que eu tenho plena convicção de que em uma boa conversa é possível aprender, não só retendo o que o outro “ensina”, mas também retendo em si mesmo o que o outro “incita”. Em uma conversa virtual (via scrap) com um amigo chamado Jonas Jácome, proeminente estudante de letras e direito, tive a oportunidade de questioná-lo diante da sua afirmação axiomática que reproduzo na integra:

As palavras são uma mera representação da realidade, não são a realidade em sua completude. Referem-se tão somente aos precários usos interpretativos lexicais de um determinado povo e lugar. Portanto partindo desse princípio: a Bíblia objeto positivo confirmativo das ações existências deusisticas* seria apenas um livro como qualquer outro −ínfimo e limitado ante a flexibilidade do código simbólico verbal (o pensamento da humanidade – materializado neste mundo tão somente através da linguagem), e a constante leitura ativa das construções frasais. Não estou aqui para levantar a bandeira do Materialismo Imanente descrendo assim o Idealismo Transcendente. Mas sim, para mostrar o caráter múltiplo e qualitativo das coisas em si e a limitada leitura que fazemos delas quando as trazemos para nossas falas, fato este que nos demonstra a necessidade de considerar como e quais fatores contribuíram para o estabelecimento de “Deus” como causa primeira.

[...] o discurso é moldado de acordo às vontades de que esteve ou está no poder, ou seja, a bíblia é um instrumento de legitimação do poder religioso. Logo ela está apta ser interpretada ao bel-prazer de quem a usa, e faz dela base para um poder relativo ao meio em que está.

Sem mais delongas.

Eu poderia simplesmente contestar essa afirmação demonstrando o salto pressuposicional incoerente que relaciona a construção lingüística de um grupo de indivíduos, influenciada por, sua história, tradição, cultura, espaço geográfico e a influência do dialeto de outros grupos, com a sua convicção quanto a uma realidade transcendental que muitas vezes se fundamenta na experiência prática de alguns “privilegiados”; essa convicção se perpetua no arraste da história, e no fim, também vai fazer parte de todas as facetas supracitadas que influencia a construção lingüística do mesmo. No entanto, é fácil observar esse salto, tendencioso por sinal, segregando o significado dos sinais correspondentes à escrita em seu enlaçado normativo, do significado nato do sinal em seu contexto cultural e histórico que reproduz apenas o evento em si, seja ele um fato histórico lançado ao conhecimento da posteridade, ou, o registro de uma dada vontade ou pensamento pessoal prosaico a todos.

Não são as palavras que são uma mera representação da realidade, antes delas, são as nossas idéias - gestadas por nossas qualidades sensoriais, que são gestoras dessas palavras - que são, aí sim, meras representações da realidade. Não vou entrar em uma longa parafernália epistemológica, mas é preciso se ater ao fato de que, não são as palavras que são incapazes de demonstrar a essência da realidade em sua completude, somos nós mesmos com nossa incapacidade de descrever o real pelas vias imperfeitas dos sensores empíricos que nos constituem.

Durante séculos, a busca pelo conhecimento pleno da realidade levou grandes homens a perscrutarem o mundo das teorias, das construções teóricas que relacionam as nuanças do conhecimento, levando a uma gama de explicações acerca da existência física – porém, nenhuma dessas explicações trouxe satisfação, escrutinando ainda mais a nossa insuficiência. Mas essa insuficiência mais evidente do que o nariz na própria cara, nada tem com a significação do código verbal, e sim com o conhecimento da “coisa em si”, como chamava Kant a realidade. A questão é que, as construções frasais citadas no texto contestado, são sim limitadas a flexibilidade do código simbólico verbal, mas somente quando essas construções estão fora da realidade espaço-temporal inerente a ela, ou seja, desvinculadas do registro histórico, da herança passada pelas vias convencionais históricas.

Não pretendo argumentar acerca da utilização da Bíblia - com letra maiúscula, assim como corretamente foi escrita diante de seu grau de importância pelo crítico, até por que tenho quase certeza que isso foi fruto de uma consciência inata em identificar a autoridade das coisas – enfim, argumentar sobre sua aceitação como fonte histórica, pois isso seria contrariar outra consideração por parte da pedantesca soberba humana, a que Ela não é. No entanto, o objeto bíblico como registro não é simplesmente aceito “às cegas” como palavras provindas de uma revelação, mas possui corroboração das ciências aceitas como universais que legitimam e dão confiabilidade mesmo em meio a tantos contestes; mas eles devem ser aceitos não como meras representações simbólicas de uma dada linguagem, vazias em si e sem significado. As palavras, no caso do registro histórico, são extensões dos eventos ocorrentes na linha do tempo, e seu significado completo vem em permuta entre a significação verbal e os fatos históricos alocados na dimensão espaço-temporal. E é nisso que tais palavras se tornam dignas de confiabilidade; e não é nisso que o cristianismo é atacado, mas sim na especulação dos fatos, e não no registro bíblico verbal em si.

O ataque voltado aos fatos quando os mesmo são especulados podem servir como um tiro no pé de quem honestamente se propõe a inspecionar esses fatos. Foi o caso de William Ramsay, um químico cético do século XVII, que se tornou cristão depois de viajar ao oriente médio a fim de por em escárnio o registro dos “fatos” bíblicos.

A questão é que, o hastear da bandeira materialista é inerente a qualquer tentativa de por no banco dos réus toda construção teológica, histórica e antropológica da Bíblia. No máximo essa bandeira possui o selo “made in China” literalmente quando esse materialismo vem romantizado com as concepções holística do universo da filosofia oriental, que teima (aí sim é fácil prever o absurdo mediante a ótica das ciências universais supracitadas) em por a mente humana como entidade metafísica conectada com todo universo físico.

O que deixa o homem perdido na existência, sendo muitas vezes possível, e há quem consiga ser capaz de duvidar da existência de si mesmo, é o caráter múltiplo e qualitativo das “coisas em si”. E isso nos faz corretamente questionar acerca dos fatores que levaram a convicção de Deus como causa primeira. O problema é que, seja esse argumento usado pelo materialista ortodoxo ou pelo materialista romântico, é um ataque contra o próprio materialismo em todas as suas vertentes, por que lança a todos no poço escaldante do ceticismo. David Hume, em meio a tentativa dos empiristas ingleses de dar o crédito, hora a matéria como forjadora da desconhecida fisiologia da mente por parte de John Locke com sua tábua rasa; hora à mente, com sua significação dada aos eventos por meio das sensações por parte de Berkeley; levantou uma questão que até hoje é uma íngua nas axilas do cientificismo, que é, a extrapolação de um conhecimento singular a um dado sistema para todo universo, tornando tal modelo representativo da realidade uma verdade universal.

Kant tentou resolver tal problema epistemológico; Hurssel com sua fenomenologia em similitude; no entanto, ainda sim a lacuna persiste. Mas deixando de lado essa delonga epistemológica, é possível utilizar a própria evidência científica, que em si não traz nenhum sentido para a existência, mas simplesmente explicam os processos mutativos da matéria, de sua ordem à desordem, seus balanços energéticos que em tudo está envolvido; mas a evidência cientifica aponta pra existência do próprio universo, ou seja, ele existe e está aí. Foi justamente esse ponto que levou Antony Flew, filósofo e professor de Harvard, a escrever o livro “Um ateu garante, Deus existe” (Ediouro), saindo do típico ateísmo pós modernista para uma posição não menos satisfatória para o cristianismo, que foi o deísmo. Porém, tal “avanço” de Flew serviu pra demonstrar que, apesar da insuficiência das qualidades sensoriais humanas em conhecer a “essência das coisas”, como dizia Hurssel, as essências das coisas existem, simplesmente não a conhecemos. Em linhas gerais, nos leva a convicção de que o universo existe, e não vivemos utopicamente em bolsas nutritivas servindo apenas de horta energética para as máquinas que dominaram o mundo – isso segundo a visão Matrix.

Sobre questões epistemológicas pretendo divagar sobre isso com mais calma e cautela, tratando do tema em específico. No entanto, afirmar que o discurso está moldado a quem está no poder é uma pretensão baseada numa vontade de que assim seja, e não na observação e aceitação dos critérios que estabelecem uma teologia. É fato que há uma relação intrínseca entre poder dominador e modo de pensar do dominado, mas as bases teológicas e todo arcabouço da filosofia cristã está longe de dominar, não a sociedade em sua gestão comum no social com seus valores, mas longe de estar dominando o que podemos chamar de condição humana inerente.

A filosofia cristã está entrelaçada em cada nuança da sociedade pós moderna em geral, sendo progenitora de várias flutuações até em sociedades que não são, hoje, naturalmente cristãs; diante disso, “é possível negar que o veja, assim como é possível negar todos os imperceptíveis estímulos intranervosos que constituem o pensamento”, o problema é quando passamos a negar o próprio pensamento.

Dedico essa postagem ao Jonas Jácome, rsrs.

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