A apoteose de Michellangelo

terça-feira, 25 de agosto de 2009 | |

A bela pintura de Michellangelo, que retrata a criação do homem nos ensina e resume toda a argüição do movimento, mostra Deus, com seu dedo indicador onipotente estendido, causador primário de todas as coisas e motor de partida de um universo supostamente expansivo e entrópico. E mostra a criatura, o homem, com seu dedo também indicador, porém temporal, mensurável e material, numa tentativa desesperada de toque que foi eternizada pelo pintor no instante em que uma distância completamente nítida foi compreendida pelo gênio italiano.

A justa distância entre os dedos constituídos de duas existências opostas, uma material, e outra imaterial, é determinada pelo próprio Criador, e não pelo pintor, pois pelo pintor ela foi compreendida e demonstrada de forma pictórica. A genialidade dos traços, a textura das tintas e resinas, e até mesmo a apoteose da criatividade do pintor, se tornam meros detalhes coadjuvantes diante do significado daquele espaço bidimensionalmente percebido por nossos olhos, mas que é a essência da nossa existência casual, é a transmudação da fé. O evento real concebido na mente do pintor não era estático como na pintura, ele era movimento, as posições fluíam e a plenitude do relacionamento era inevitável, ocorria o toque, que era a concepção de um anseio humano e a realização do sublime projeto do Criador, mas a cena foi interrompida e jogada na estática eternidade do retrato, não pôde haver toque.

O movimento (que agora é a mudança de posição dos dois corpos), na tela é repouso, para que a natureza dos atores fosse preservada e a realidade continuasse a se comportar como ela é (pelo menos segundo Heráclito), fluida, em movimento (que agora não é a mudança de posições, mas a mudança de realidade), ou seja, determinada pela luta dos opostos. No humano, a matéria criada, condicionada à força do tempo, cheia de formas e volumes; no Criador, a imaterialidade, espectador da esfera do tempo, informe e não contido em qualquer espaço tangível pela mente humana. E a justa distância que aparentemente não é aplicável ao sistema heraclitiano, por, em princípio, não haver oposto para executar sua eterna luta, é simplesmente degenerada quando o espaço que separava a criatura e o Criador concebe e mostra o seu adversário (e Heráclito continua certo), se transformando no ato idealizado desde os tempos eternos, o toque, a ausência daquele oticamente mensurável espaço que separava a ambos, que é a tão humanamente irracional, fé.

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